sábado, 14 de março de 2009

A solidez da modernidade

“É preciso ver o homem moderno com suas múltiplas ocupações, vivendo lá fora, devorado pela necessidade de conservar sua fortuna e aumentá-la, a inteligência tomada por problemas sempre renovados, a carne adormecida pela fadiga de sua batalha cotidiana, ele próprio transformado em pura engrenagem na gigantesca máquina social em plena atividade”. (Zola, 1999: 11)




Tudo que é sólido desmancha no ar
A sociedade burguesa, através de seu insaciável impulso de destruição e desenvolvimento e de sua necessidade de satisfazer às insaciáveis necessidades por ela criadas, produz inevitavelmente idéias e movimentos radicais que almejam destruí-la. Mas sua própria necessidade de desenvolvimento habilita-a a negar suas negações internas: ela se nutre e se revigora daquilo que se opõe, tornando-se mais forte em meio a pressões e crises do que em tepos de paz, transforma inimizade e detratores em aliados involuntários.

Marshall Berman



Da modernidade

Ao buscar uma contextualização para explicar resultados e experiências que obtivemos durante a pesquisa, deparamo-nos com a idéia de modernidade em turbilhão, desenvolvida por Marshall Berman em seu livro "Tudo que é Sólido Desmancha no Ar".

Fazendo de forma sutil uma sociologia do conhecimento, ele constata, através uma reinterpretação de autores clássicos, características importantes da modernidade. Estas podem ser bem ilustradas com as constatações de nossa pesquisa sobre a Internet.

Berman recorre durante seu livro a algo que podemos chamar de espírito da modernidade que, segundo ele, já é percebido por alguns pré-modernos como Rousseau. Esse espírito é caracterizado basicamente pelo clamor desenvolvimentista e revolucionário da sociedade moderna. Berman, ao contrário da maioria dos autores, não procura as bases econômicas ou histórico-factuais da vida atual, mas o processo que faz da modernidade algo diferente de fases anteriores da vida humana.

O desenvolvimento nesse caso pode ser traduzido simplesmente pela busca do novo e o que precisa ser analisado de forma minuciosa e crítica são as conseqüências e a forma como acontece este processo. Primeiramente pode-se destacar que o desenvolvimento constante da modernidade acontece de forma dialética, destruindo o antigo para construir o novo pois está dentro do antigo o germe de sua própria destruição. Esta é a caracterização mais simples do que é turbilhão moderno.

É decorrente dessa forma de desenvolvimento o fato da modernidade não conseguir conviver com o velho. Existe uma procura por extirpar do mundo tudo que não for moderno, ou seja, o espírito imperialista domina o homem moderno não permitindo a coexistência de outras formas de vida.

Max Weber, na Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, expõe as características do pensamento moderno baseado na noção de salvação pregada por Calvino. Segundo essa, o homem deve sempre buscar o melhor, ser um vencedor, ou nas próprias palavras do autor ter sucesso. Pelos olhos de Berman esta racionalidade "de sucesso" se encaixa perfeitamente no ideal desenvolvimentista, que é motor moderno.

O desenvolvimento constante juntamente com a destrutividade moderna causam um impacto sobre a vida do ser humano. O homem contemporâneo é atingido em suas certezas e nas premissas que utiliza para construir opiniões e seguranças. "Tudo que é sólido desmancha no ar" ou parece desmanchar no ar. Uma única certeza, meta, ou processo que aparenta permanecer desde o principio da modernidade é a evolução contínua, a busca da melhora ou de ser o vencedor.

A internet talvez seja o local onde podemos nos deparar com tal fenômeno de forma mais clara. As relações virtuais são, em comparação com as reais, muito mais efêmeras, vazias de significados e rápidas.

O processo com começo, meio e fim, parece se perder e passa a funcionar em função de uma interrupção sempre eminente. Um relacionamento sem conseqüências, sem promessas e obrigações e podem ser facilmente rompidos com um simples clicar de mouse.

A quantidade e a facilidade parecem suprir velhos problemas como o de fins dolorosos ou timidez inicial porém, traz a tona um novo problema: o da falta de consistência.

O anonimato, sempre presente em nossas discussões, quando se trata de internet e relações virtuais, protege a identidade, simplifica o relacionamento e dificulta a solidez.

Uma nova dúvida então se faz em relação ao homem: a solidez é apenas resquício de um passado remoto que estamos apenas terminando de destruir? de uma forma mais Foucaultiana, é um discurso caindo em desuso? Ou freudianamente, é uma necessidade intrínseca do homem ter certezas que o conduzem, como a família e a religião? Sem essas certezas uma crise tecnohumana surgirá como novo problema?

FONTE: Revista Espaço Acadêmico