sábado, 18 de abril de 2009

Educação no campo



Promover um ensino mais igualitário, que supere as desigualdades existentes entre a cidade e o mundo rural, é um dos objetivos do ministro da Educação, Fernando Haddad. Nesse sentido, o Ministério da Educação (MEC), por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), tem dado passos significativos. Um deles foi a criação da Comissão Nacional de Educação no Campo, cuja missão é assessorar o MEC na formulação de políticas públicas para a educação no campo.

Quando se coloca o problema da educação do campo, grande parte de nossos governantes, secretarias de educação e intelectuais que se dizem pensantes da educação, partem do princípio que os grandes desafios estão na falta de estrutura, de professores preparados, de transporte escolar adequado, de material didático-pedagógico.

O grande desafio, na verdade, é a mudança do modelo de educação presente no campo. A escola que temos no campo não prepara as crianças nem para o mundo urbano e nem para o mundo do campo (com suas diferentes expressões culturais, de organizar a vida, de convivência). Mas sim para serem subservientes à lógica do capitalismo. Ou para serem explorados, espoliados e nada mais.

Enquanto as escolas agrotécnicas e os cursos de agronomia preparam jovens, quase todos oriundos do campo, para servirem as multinacionais e as regras do agronegócio, o que resta da educação no campo se afirma como uma espécie de desaprovação do conjunto de sentimento sócio-cultural que faz parte da comunidade camponesa. Não se mostra ou não se visualiza, nas escolas camponesas, as contradições presentes entre os que se afirmam donos das terras e os explorados nas relações capital trabalho.

Impôs-se aos trabalhadores do campo uma visão de campo puramente capitalista: ou se produz e se reproduz a agricultura baseada no uso intensivo de fertilizantes químicos, de maquinas pesadas, agro-exportadora, com muita terra a disposição e mão-de-obra especializada e não especializada, ou então não tem agricultura sustentável. Isso é o que a mídia mostra todos os dias.

Fazer a Reforma Agrária e organizar outro modo de vida no campo, com políticas públicas voltadas para os desafios postos pelas diferentes realidades culturais presentes nos diferentes sujeitos camponeses, são significados sociais e culturais que fogem a lógica do mercado neoliberal. Esse caminho não é moderno, nem produz patrão e empregado, não trabalha com máquinas pesadas, não compra muitas sementes, nem insumos, não favorece a concentração da terra, não cria graves impactos ambientais, não cria autonomia nas pessoas e nem ajuda desenvolver pesquisas nas pequenas propriedades, enfim, gera apenas grandes negócios para grandes empresários da terra.

O capitalismo sabe que transformar o campo em outro espaço de convivências humanas, de produção, de intercambio, de gestação de outros sentimentos ambientais e reinvenção de outros valores, exige acabar com a expropriação e exploração da natureza. Negar esse modelo significa negar o agronegócio, os interesses das multinacionais, as políticas de preços, de commodities da famigerada organização mundial do comércio. Significa mexer na racionalidade puramente burguesa e esclerosada do capitalismo.

A política que sustenta o agronegócio não tem coração, nem sentimento. Tudo é movido por meio do dinheiro, de mentiras, de mitos, de números que formam verdadeiras constelações de relações abstratas, longe dos impactos sociais, culturais e ambientais que ficaram para traz. Ao colocarmos, com certa urgência, a necessidade de um projeto político-pedagógico de educação do campo, afirmado por uma política pública que busque realmente expressar a realidade camponesa, não podemos esquecer o acúmulo de experiências de educação popular, construídas e acumuladas a partir do final dos anos 60, principalmente por parte das Comunidades Eclesiais de Base. Foi exatamente no interior destas comunidades que milhões de camponeses vivenciaram experiências de educação popular, onde muita gente aprendeu a ler e escrever a partir das lendas dos povos, leituras de mundo das famílias camponesas.

Entendemos que é preciso desentulhar todas as experiências que foram registradas e engavetadas, e transformá-las em referenciais para o projeto de educação do campo que estamos construindo. Fazem parte deste patrimônio, as pedagogias que buscaram incluir o ser humano como sujeito e que muito contribuíram nas trocas de saberes entre trabalhadores e trabalhadoras.

O Brasil precisa se dar ao trabalho de reconhecer seu profundo descaso em relação ao saber popular camponês. Saberes profundos que se originaram de nossas três matrizes sócio-culturais: afro, indígena e europeu. Estes saberes estão alicerçando continuamente o processo de construção do existir do povo brasileiro. Eles aparecem em festas populares, na agricultura, tratamentos de doenças com plantas medicinais, nos conhecimentos matemáticos e químicos que aparecem nas formas de plantios, nas observações das fases da lua, no ceifar e no guardar os produtos e nos tempos de cada plantio. Não se pensou, infelizmente, uma política de educação, nem linhas pedagógicas que respeitem estes saberes e aproximem de outros saberes.

Entendemos o processo educativo como um conjunto de ações pedagógicas, de organizações curriculares desde o ensino infantil ao ensino superior, envolvendo todos os responsáveis pela construção deste novo ser humano camponês. A luta pela terra requer de nós uma política pedagógica que ajude ao campesinato a garantir tudo o que foi acumulado em seus imaginários, nas frestas lendárias onde os saberes se afirmam como identidade e como legado histórico.

FONTE
http://www.interlegis.gov.br