quinta-feira, 30 de abril de 2009

Caminhos para uma educação no Campo

Brasil - Quando se coloca o problema da educação do campo, grande parte de nossos governantes, secretarias de educação e intelectuais que se dizem pensantes da educação, partem do princípio que os grandes desafios estão na falta de estrutura, de professores preparados, de transporte escolar adequado, de material didático-pedagógico. O grande desafio, na verdade, é a mudança do modelo de educação presente no campo.



A escola que temos no campo não prepara as crianças nem para o mundo urbano e nem para o mundo do campo (com suas diferentes expressões culturais, de organizar a vida, de convivência). Mas sim para serem subservientes à lógica do capitalismo. Ou para serem explorados, espoliados e nada mais. Enquanto as escolas agrotécnicas e os cursos de agronomia preparam jovens, quase todos oriundos do campo, para servirem as multinacionais e as regras do agronegócio, o que resta da educação no campo se afirma como uma espécie de desaprovação do conjunto de sentimento sócio-cultural que faz parte da comunidade camponesa. Não se mostra ou não se visualiza, nas escolas camponesas, as contradições presentes entre os que se afirmam donos das terras e os explorados nas relações capital trabalho. Impôs-se aos trabalhadores do campo uma visão de campo puramente capitalista: ou se produz e se reproduz a agricultura baseada no uso intensivo de fertilizantes químicos, de maquinas pesadas, agro-exportadora, com muita terra a disposição e mão-de-obra especializada e não especializada, ou então não tem agricultura sustentável. Isso é o que a mídia mostra todos os dias. Fazer a Reforma Agrária e organizar outro modo de vida no campo, com políticas públicas voltadas para os desafios postos pelas diferentes realidades culturais presentes nos diferentes sujeitos camponeses, são significados sociais e culturais que fogem a lógica do mercado neoliberal. Esse caminho não é moderno, nem produz patrão e empregado, não trabalha com máquinas pesadas, não compra muitas sementes, nem insumos, não favorece a concentração da terra, não cria graves impactos ambientais, não cria autonomia nas pessoas e nem ajuda desenvolver pesquisas nas pequenas propriedades, enfim, gera apenas grandes negócios para grandes empresários da terra. O capitalismo sabe que transformar o campo em outro espaço de convivências humanas, de produção, de intercambio, de gestação de outros sentimentos ambientais e reinvenção de outros valores, exige acabar com a expropriação e exploração da natureza. Negar esse modelo significa negar o agronegócio, os interesses das multinacionais, as políticas de preços, de commodities da famigerada organização mundial do comércio. Significa mexer na racionalidade puramente burguesa e esclerosada do capitalismo. A política que sustenta o agronegócio não tem coração, nem sentimento. Tudo é movido por meio do dinheiro, de mentiras, de mitos, de números que formam verdadeiras constelações de relações abstratas, longe dos impactos sociais, culturais e ambientais que ficaram para traz. Ao colocarmos, com certa urgência, a necessidade de um projeto político-pedagógico de educação do campo, afirmado por uma política pública que busque realmente expressar a realidade camponesa, não podemos esquecer o acúmulo de experiências de educação popular, construídas e acumuladas a partir do final dos anos 60, principalmente por parte das Comunidades Eclesiais de Base. Foi exatamente no interior destas comunidades que milhões de camponeses vivenciaram experiências de educação popular, onde muita gente aprendeu a ler e escrever a partir das lendas dos povos, leituras de mundo das famílias camponesas. Entendemos que é preciso desentulhar todas as experiências que foram registradas e engavetadas, e transformá-las em referenciais para o projeto de educação do campo que estamos construindo. Fazem parte deste patrimônio, as pedagogias que buscaram incluir o ser humano como sujeito e que muito contribuíram nas trocas de saberes entre trabalhadores e trabalhadoras. O Brasil precisa se dar ao trabalho de reconhecer seu profundo descaso em relação ao saber popular camponês. Saberes profundos que se originaram de nossas três matrizes sócio-culturais: afro, indígena e europeu. Estes saberes estão alicerçando continuamente o processo de construção do existir do povo brasileiro. Eles aparecem em festas populares, na agricultura, tratamentos de doenças com plantas medicinais, nos conhecimentos matemáticos e químicos que aparecem nas formas de plantios, nas observações das fases da lua, no ceifar e no guardar os produtos e nos tempos de cada plantio. Não se pensou, infelizmente, uma política de educação, nem linhas pedagógicas que respeitem estes saberes e aproximem de outros saberes. Entendemos o processo educativo como um conjunto de ações pedagógicas, de organizações curriculares desde o ensino infantil ao ensino superior, envolvendo todos os responsáveis pela construção deste novo ser humano camponês. A luta pela terra requer de nós uma política pedagógica que ajude ao campesinato a garantir tudo o que foi acumulado em seus imaginários, nas frestas lendárias onde os saberes se afirmam como identidade e como legado histórico. *Derli Casali é formado em filosofia e é coordenador do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).

A importância da articulação na construção da identidade e pela luta da educação do campo.

Salomão Hage
Gostaria de iniciar a minha fala destacando que no cenário atual existem entendimentos diferenciados sobre a concepção de educação que deverá referenciar prática pedagógica e as lutas sociais no campo.
1 – Os movimentos sociais do campo têm defendido o paradigma da EDUCAÇÃO DO CAMPO
Uma educação definida coletivamente pelos próprios sujeitos do campo.
Que não se faz sem os sujeitos do campo ou para os sujeitos do campo, mas com os sujeitos do campo.
Os sujeitos do campo são os protagonistas da educação que se realiza no Campo!

Uma educação entende o campo como o lugar onde vivem os sujeitos do campo; como sinal de vida, de trabalho, de cultura; de relações sociais.
Uma educação que quer expressar os interesses e necessidades de desenvolvimento dos sujeitos que vivem, trabalham e são do campo, e não meramente reproduzir os valores do desenvolvimento urbano.

Uma educação entendida não como um fim em si mesma, mas como um instrumento de construção da hegemonia de um projeto de sociedade: Includente, Democrática e Plural.
A educação parte do reconhecimento de que no campo existem uma pluralidade de sujeitos que podem conviver numa relação dialógica e fraterna.

Uma educação que contribui para a construção de uma outra relação entre o campo e a cidade, enfrentando a hierarquia e a desigualdade atualmente existentes.

A Educação do Campo se realiza no conjunto dos Movimentos sociais, das lutas e organizações do povo do campo!
Na luta pela terra e por condições dignas de vida e de afirmação de sua identidade.

É um projeto da Classe trabalhadora do campo para todas as pessoas que estão no campo e não somente para aqueles que se encontram engajados nos movimentos sociais do campo.

2 – As elites do campo têm defendido o paradigma da EDUCAÇÃO RURAL
Uma educação definida pelas elites (grupos de maior poder nos vários campos da sociedade) para os sujeitos do campo;
Uma educação que veicula uma concepção “urbano-cêntrica” de vida e desenvolvimento, a qual dissemina um entendimento generalizado de que o espaço urbano é superior ao meio rural, de que a vida na cidade oferece o acesso a todos os bens e serviços públicos, de que a cidade é o lugar do desenvolvimento, da tecnologia e do futuro, enquanto o meio rural é o lugar do atraso, da ignorância, da pobreza e da falta de condições mínimas de sobrevivência.
Os defensores dessa concepção afirmam ainda que a diferenciação entre o rural e o urbano não faz mais sentido, uma vez que o modo de vida do camponês está em processo de extinção e a única possibilidade de sobrevivência das populações do campo seria a sua integração ao modelo de vida da cidade, à agroindústria de grande porte e a sua subordinação às exigências mercadológicas da agricultura capitalista – o AGRONEGÓCIO.
Uma educação que não leva em consideração os conhecimentos que os alunos trazem de suas experiências e de suas famílias;
Uma educação que desvaloriza a vida do campo, diminuindo a auto-estima dos alunos e descaracterizando suas identidades;
Uma educação que fortalece o ciclo vicioso que os sujeitos do campo realizam: “de estudar para sair do campo” ou “de sair do campo para estudar”, fortalecendo o processo de migração campo-cidade;
Uma educação que se constitui enquanto um instrumento de reprodução e expansão da estrutura agrária e de uma sociedade excludentes.

A Educação do Campo se constitui numa ação “emancipatória” – incentiva os sujeitos do campo a pensar e agir por si próprios, assumindo sua condição de sujeitos da aprendizagem, do trabalho e da cultura.
Emancipar significa romper com a tutela de outrem, significa ter a possibilidade de tomar suas próprias decisões, segundo seus interesses e necessidades.
As populações do campo têm o direito de definir seus próprios caminhos, suas intencionalidades, seus horizontes.

A Educação rural se constitui numa ação “compensatória” – trata os sujeitos do campo como incapazes de tomar suas próprias decisões. São sujeitos que apresentam limitações, em função das poucas oportunidades que tiveram em sua vida e do pouco conhecimento que tem.
A educação é dada aos individuos para suprir suas carências mais elementares – Educação supletiva. Transmite-se a cada indivíduo somente os conhecimentos básicos, pois se acredita não ser necessário aos sujeitos do campo, que lidam com a roça, aprender conhecimentos complexos, que desenvolvam sua capacidade intelectual.
A educação é tida como um favor e não como um direito!

Para reafirmar o entendimento de Educação do campo como direito e não como favor, temos que apresentar políticas públicas sociais e educacionais que sejam elaboradas de nosso próprio lugar. Que tenham a nossa cara, o nosso jeito de ser, de sentir, de agir e de viver Amazônida.
Infelizmente, os estudos que vimos desenvolvendo através do GEPERUAZ nos tem revelado que no processo de elaboração das políticas sociais e educacionais para a região, tem-se desconsiderado os aspectos produtivos, ambientais e sócio-culturais locais e diversos presentes na região e na sociedade.
 A Amazônia apresenta como uma de suas características fundamentais a “heterogeneidade”, que precisa ser considerada nas propostas e políticas sociais e educacionais a serem apresentadas para a Região.

Essas particularidades produtivas, ambientais e sócio-culturais revelam a complexidade e o antagonismo que envolvem relações de poder entre grupos, populações e movimentos sociais presentes na Amazônia e mais especificamente no espaço da Amazônia do campo em torno da disputa pela hegemonia de projetos sociais específicos; de suas identidades culturais próprias; e do uso dos recursos naturais da Região. Essa situação nos adverte sobre a necessidade de que essas particularidades e esses processos conflitivos sejam considerados no processo de formulação de políticas públicas sociais e educacionais para a região.

Para garantir uma participação mais ampliada na elaboração das políticas educacionais para o campo no Estado do Pará, temos fortalecido a atuação do Fórum Paraense de Educação do Campo, que desde 2004, tem se colocado com mais intensidade nesse processo.

Em 2004, elaboramos o I Seminário de Educação do Campo e Desenvolvimento Rural na Amazônia e em 2005, estaremos realizando o II Seminário Estadual, congregando Entidades da Sociedade Civil, Movimentos Sociais, Instituições de Ensino, Pesquisa, Órgãos Governamentais de fomento ao desenvolvimento e da área educacional da sociedade paraense, que buscam defender, implementar, apoiar, fortalecer políticas públicas, estratégias e experiências de educação do campo e desenvolvimento rural com qualidade social para todos/as os/as cidadãos/ãs paraenses, sobretudo para as populações do campo, aqui entendidas como: agricultores/as familiares, indígenas, quilombolas, extrativistas, ribeirinhos e pescadores.

Essa tem sido a nossa luta e é por isso que estamos aqui, para estimular vocês nessa caminhada e para estimulá-los a participar cada vez mais, de forma articulada, desse Movimento por uma Educação do Campo no Pará e no Brasil.

Fonte
www.istoe.com.br