quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Ser professor ...

Feliz é aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina
Cora Coralina




















É necessário repensar a Educação, quanto às políticas públicas, aos programas e projetos pedagógicos, às relações inter-institucionais, às condições de infra-estrutura, aos recursos humanos e pedagógicos. Porém,poderemos começar a agir de forma mais eficiente, de imediato, cotidiana-mente, e a partir de nossa própria iniciativa: no aprimoramento da relação básica do processo educativo – a relação professor-aluno.

Constato que muitos professores questionam-se sobre conteúdos, técnicas e métodos utilizados, de um lado, ou sobre deficiências constitutivas dos alunos para proceder construções lógicas, não considerando que a espécie humana possa não ser regida exclusivamente pelos princípios da racionalidade positivista.

Como construção social, a racionalidade é plural, e pode ser atravessada por forças que podem potencializá-la ou debilitá-la. Refiro-me aos afetos, que parecem estar necessariamente embutidos na constituição do indivíduo humano, “afetando” suas ações, mesmo as regidas pela razão.

Diversos trabalhos destacam o caráter intersubjetivo da Educação e apontam para a importância que os professores dão ao afeto na relação professor-aluno. Importa discutir como os afetos interferem nesse processo e como participam da construção da subjetividade do educando.

O processo educativo tem buscado um saber mais prático, mais imediatista, mais especializado; e menos preocupado com o homem, com o conhecimento sobre si mesmo. Mas à Educação cabe dotar os homens de um conhecimento fundamentado e criador, que se oponha à sujeição generalizada.

O conhecimento tende à expansão, porque cada receptor, apropriando-se do estímulo partido do professor, pode reelaborar o apreendido e avançar na busca que fermentará esse conhecimento, ultrapassando o próprio mestre. Entender o conhecimento dessa maneira não deverá gerar angústia, massatisfação; aquela satisfação parcial possível, desde que o professor entenda as limitações existentes e busque trabalhar todas as possibilidades de maneira mais proveitosa.

Não é difícil estabelecer um vínculo afetivo do estudante com o conhecimento, essa tendência já se manifesta espontaneamente; basta alimentá-la, fortalecê-la, estimulá-la, associando-a a situações prazerosas e evitandoreforçar situações de fracasso. O aprendizado deverá ser uma situação de alegria, de júbilo, resposta a uma expectativa.

Os famosos "conteúdos" são apenas a matéria que permite a ligação entre dois desejos, o de ensinar e o de saber. O trabalho do professor se dará sem qualquer certeza prévia de seu resultado. Ele não pode ter fórmulas prontas, seu trabalho estará no nível de uma arte e não de uma técnica. O desejo deensinar é perceptível pelo aluno, e se colocará como uma oferta, à qual o aluno poderá ocasionalmente recorrer, manifestando seu desejo de saber.

Por mais técnicas e metodologias que se ensinem aos licenciandos, seu trabalho só poderá ser frutífero se, para além delas, estiver encarnado no seu ser o desejo imperioso de aprender e, subjacente, o desejo de ensinar. Isso o capacita a ter domínio sobre o que transmite, não se deixando dominar porsimplificações e dogmatismos.

A paixão pelo conhecimento permite-lhe trabalhar como num vôo livre, deixando questões em aberto, lançando dúvidas e assumindo seus próprios limites frente ao infinito do conhecimento. Será necessário muito domínio para fazer da transmissão um verdadeiro balé, onde os alunos se sintam irresistivelmente convidados a entrar na dança.

Mais do que considerar a Educação uma tarefa impossível – contestando a conhecida formulação de Freud – caberia dizê-la possível para poucos: aqueles apaixonados por sua tarefa e afetivamente envolvidos com a busca permanente do saber e com sua transmissão. A tarefa da Educação não pode se limitar aos aspectos ditos racionais. Se efetivamente objetiva participar daformação do sujeito, cabe-lhe considerar o afetivo partilhando da nossa vida inteligente.

Enfim, retornamos à questão da sensibilidade do professor, entendida como algo que não pode ser ensinada, porquanto implica criatividade. E como arte, embora possa ser tentada por todos, só se tornará significativa sefor capaz de expressar a alma de quem a pratica, se for capaz de provocar no outro uma emoção.

Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende
Guimarães Rosa