segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

...ser ou não ser

A arte é elitista


Por muitas vezes contraditória, por tomar coca cola e amar bicho-grilismo, sempre fui contra elitismos, exclusões e coisas do gênero. Por essas e outras sempre odiei Grande sertão veredas, sempre achei ridículo sociedadezinha brasileira de letras que vê dragões e paradoxos na maldita pedra do meio do caminho ou gente que diz que Chico Buarque que é musica de verdade e o resto não presta. Todos os exemplos acima e muitos outros foram odiados por muito tempo exatamente pelo elitismo que existe dentro dos círculos sociais daqueles que gostam de tais coisas.

"Porque Guimarães Rosa é um mestre. Porque ele fez uma verdadeira obra de arte, porque o texto é lindo e bla bla bla". Os outros casos seguem a mesma linha, e o elitismo surge justamente na parte de: "Se você não vê a beleza de Guimarães quando ele coloca o sujeito na terceira pessoa do caso reto oblíquo com ângulo agudo sobre o interlocutor, então é porque você não consegue apreciar a arte". Sempre tive muita preguiça de gente que recitava de cor esses argumentos quando o assunto era artistas já aclamados, tal simplismo me irrita. Ou você esta com os críticos atuais, ou não entende nada de arte. Isso também é visto em obras de arte(e o atual cenário abstrato que esta sinceramente ridículo) ou até mesmo em áreas como jogos de video-game.
Por tanta exclusão daqueles que não conseguem entender o tipo específico de arte que sempre tive repulsa a tais coisas.Pra minha infelicidade fui obrigada a admitir o erro.

O problema de tudo isso não esta no elitismo em sí mas sim no ato de achar errado frases como: "Se você não vê beleza em o Grito é porque não entende de arte". Sim exatamente ai. Toque Vivaldi para um funkeiro carioca e ele terá asco de tal música. Mostre a Monalisa para alguém que não entenda de pintura realista, neim do contexto histórico no qual ela foi desenhada e ele somente verá uma pintura de uma jovem moça neim tão bonita assim.

O que eu quero dizer é que a arte é sim elitista, ela exclui e muito aqueles que não estão aptos a aprecia-la em toda sua grandeza. E não há nada de errado com isso.

Não se pode esperar que um total analfabeto em questões de sintaxe e gramática(eu) consiga apreciar os neologismos criados por Gaciliano ramos, do mesmo jeito que também alguém que nunca treinou seus ouvidos para música nunca conseguirá apreciar em toda sua completude uma sinfonia que envolva cerca de 50 instrumentos.

Assim temos uma arte que realmente se expressa somente em certos círculos e tende muito a formar grupos fechados. Por outro lado isso é inevitável quando se quer um especifísmo grande o bastante para criar obras imortais como a teoria da relatividade(que em vários círculos é ,muito justamente, interpretada como um obra de arte).

Já fui acusada de elitista por dizer que o artista é aquele que foge do que é comumente feito e dito, ou seja, do trivial. O que não é trivial é obviamente oposto ao que é popular. Obviamente quer dizer que o povo não é artista, pois este se elava acima daqueles.

Não é pelo baixo grau de escolaridade e pela ignorância do povo (que infelizmente é um fato) que digo isso, mas porque o artista sempre precisa estar acima dele, não importa quão instruída seja sua sociedade.

Mesmo que o mundo fosse formado de pessoas altamente instruídas e educadas (uma utopia, é lógico) o artista estaria além de todas estas coisas, assim como os cientistas e os filósofos. Mesmo que todos compreendessem o “Ser e o Tempo” ou o "Ser ou não ser", os filósofos obviamente deveriam estar além disso, pois é dele que viriam as novidades no âmbito da filosofia. Mesmo que todos compreendessem física quântica, os cientistas deveriam ter conhecimentos que o povo ainda não conhece, pois é deles que vêm as novidades. Da mesma fora são os artistas. Mesmo que toda a população fosse capaz de produzir obras maravilhosas, artistas seriam somente aqueles que fizessem obras ainda melhores, que fossem ainda mais originais, enfim que fugissem do trivial, mesmo que esse trivial fosse altamente elevado. Isso complicaria muito o trabalho de um artista, cientista ou filósofos. Mas no entanto suas produções seriam muito melhores.

O fato de a população não ter instrução não é a causa eficiente do artista, mas facilita seu trabalho. Por mais instruída que seja uma população, sempre haverá um pensamento padrão, e é disso que os artistas devem se distanciar.

Outro motivo de me acusarem de elitismo é o fato de defender que os artistas sejam pessoas altamente instruídas. Se defender isso é ser elitista, então eu o assumo. Mas se fosse assim, aqueles que me acusam também seriam elitistas, pois eles defendem que médicos e professores devem ser instruídos. Todos sabem um pouco sobre o mundo, mas isso não faz delas um professor. Todos sabem um ou dois remédios e sabem diagnosticar algumas doenças, mas isso não faz delas médicas. Da mesma forma, todos sabem escrever coisas bonitas, mas isso não faz delas poetas. É preciso uma longa educação e um treinamento para isso. A diferença é que para ser professor e/ou médico basta um diploma que é adquirido baseado nos méritos deles durante seu “treinamento”. Mas não existe diploma para certificar um poeta. Ele se faz nas suas obras. Ele precisa desta instrução para poder se elevar acima do pensamento comum, por mais alto que seja. Sem este estudo e este “treinamento” fica difícil tal feito – mas não digo impossível. Sem o conhecimento do que é trivial, ele não vai poder superar isso. Sem conhecer o que os outros artistas fizerem para fugir de tal pensamento, ele não vai encontrar o caminho certo. Por isso a instrução é importante. Nem todo mundo é médico, assim como não é todo mundo que é artista. Mas qualquer um pode ser médico se tiver a devida preparação, mas não há uma preparação específica para um artista. É elitista quem defende que médicos e professores devem ter uma preparação intelectual diferente das outras pessoas? Então por que é elitista dizer que artistas precisam de tal preparação?

Não é somente o artista quem busca fugir do trivial, buscar novos caminhos e formas de ver o mundo. Também o faz o filósofo e o cientista. Existem inúmeras diferenças entre os artistas e estes dois, mas a principal é a forma como eles expõem suas idéias. Filósofos e cientistas as expõem suas idéias com uma linguagem clara, direta e objetiva. Já os artistas o faz de modo simbólico, indireto, estético. Eles buscam uma fuga desta linguagem objetiva por ela ser trivial. O artista é quem mais se afasta desta realidade. Darwin, para falar da teoria da evolução, escreveu “A Origem das Espécies”. Os artistas escreveram romances naturalistas. Marx escreveu livros políticos/filosóficos para tratar das lutas de classes; Emile Zola escreveu “Germinal”. Schopenhauer falava de sofrimento e irracionalismo em suas obras; os expressionistas diziam o mesmo com suas cores. Os iluministas exaltavam a razão em seus livros filosóficos; Mozart celebrava o “século das luzes” com sua música. Nietzsche, em “Assim Falou Zaratustra”, utilizou narrativas e metáforas e vez da linguagem usual dos filósofos. Por conta disso, eu o considero este livro dentro do âmbito das artes e não da filosofia propriamente dita. A diferença básica é como essas idéias são tratadas. O artista as reveste com um conteúdo estético, o que muitas vezes torna difícil a apreensão destas idéias. Muitos dirão que não conseguem ver nenhuma idéia-profunda-que-se-distancia-do-trivial na música de Chopin, por exemplo. Mas ela está lá. O que acontece é que estas pessoas não estão preparadas para apreender estas idéias. É muito mais fácil captá-las dentro de um romance, pois é o que mais se aproxima da linguagem discursiva. Muitas vezes eu também não consigo apreender estas idéias dentro da música, justamente por esse distanciamento do “logos”, mas isso é decorrente de uma educação musical deficiente. A idéia profunda está lá, mas não podemos perceber por não termos conhecimento prévio para isso. Não é tão difícil notar a exaltação dos sentimentos em Beethoven e a fria precisão matemática de Mozart - pelo menos no começo da carreira. Toda obra de arte contém esta idéia profunda central. Às vezes não conseguimos apreendê-la, por isso precisamos adentrar o universo do autor e da “modalidade” artística que ele se utiliza, seja ela poesia, pintura, música, dança, etc.